"Debaixo d'água tudo era mais bonito, mais azul, mais colorido, só faltava respirar.
Mas tinha que respirar, mas tinha que respirar... todo dia"

Arnaldo Antunes

terça-feira, 20 de maio de 2008


Antes de lerem
o que vem a seguir é importante que saibam; nada, nada que pudessem escrever cantar ou dançar, se fariam palavras minhas tão fiéis quanto estas, parecem sair de meus lábios numa força tão voráz que poderia ser ouvida até no mais fundo do mais profundo oceano:
.
.
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
.
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
.

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
.
Não sei por onde vou,
.
.
Não sei para onde vou
.
.
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Sei que não vou por aí!


Cântico Negro - José Régio

Imagem do filme "Um Sonho de Liberdade"

10 comentários:

Diego disse...

Lindo... Te ví realmente no texto.

felipemaia disse...

Foi um grito que eu canto em unissono com vc!!

:O

Bjuxxxx******
:D

marcela primo disse...

§

Sem comentrios sobre o texto, né? Avassalador! ou Avassalante!, como diz meu amigo, o Bruno.

Mas sobre a imagem eu gostaria de deixar registrado que é a cena de um dos meus filmes preferidos...

"Um Sonho de Liberdade"
"The Shawshank Redemption"

Parafraseando Red (Morgan Freeman), a história de um homem que atravessou um rio de merda e conseguiu sair limpo do outro lado.

Beijo-te, flor!

§

Anônimo disse...

Um dia irei dizer isso muito alto, com muita emoção e glória, em cima de um palco.. só pra lembrar que é tudo ilusão!

H. Henrique disse...

Nossa que bicha que sofre gente... Ma vou postar sua referencia - bjus

Adriano Veríssimo disse...

Caralhoooooooooooooooooooo!!

Que desabafo meu lindo! Não precisa mais gritar, essas palavras nos levou ao mais fundo do oceano, onde um coração contrito, uma pérola valiosa grita e mar estremece, fazendo com as ondas ressaquem...

Lindo texto meu amigo! lindo msmo!

Obs. Pessoa SUFRIIIIDA!

rs

Beijo amo-te amigo!

Ana Paulino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana Paulino disse...

Caramba queria ter essa coragem de descrever a vida com tanta intensidade.
beijão, lindo.

Anônimo disse...

Eu só sofro enquanto é tendência, depois eu paro! Bate uma crise de Narrrciso...

Unknown disse...

Vamos por aqui! Pois faço da tua estrada meu alento, deixando que as histórias já contadas, sejam levadas com o tempo,
E em turbilhão de lembranças e incertezas digo com clareza, percorro ao teu lado o teu caminho em odisséia de pobreza...
Mas estando contigo sem medo do mau tempo, não me importo de ser levado pelo sopro do vento.