"Debaixo d'água tudo era mais bonito, mais azul, mais colorido, só faltava respirar.
Mas tinha que respirar, mas tinha que respirar... todo dia"

Arnaldo Antunes

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

NOITES EM CLARO
- terceiro caítulo

Antes mesmo de conseguir dominar seus impulsos ela está ao lado do casal com a mira no rapaz. Com um tiro, estoura-lhe o tendão de Aquiles esquerdo, o joelho direito, o cóquis, um cotovelo e a boca do cadáver, o sangue empoçado espirra com o estouro. Ela o mantém vivo. Com a faca do bolo que está sobre a mesa, ela fatia os dois olhos da moça, rasga-lhe as bochechas até que o maxilar se escancare, fax um "X" em um dos seios, dividindo o mamilo em quatro e transforma o clitóris dela numa espécie de carne de encher lingüiça - ele assiste tudo, sem opção. Neste instante ela percebe que os olhos do rapaz estão se distanciando e o pavor de perdê-lo toma conta dos impulsos dela, se desespera, pede um balde d’água, não é atendida, então estapeia a cara do rapaz.

- Acorda, não morra, acorda!!! Pelo amor de Deus!

Ele recobra a consciência por segundos, exatamente o tempo que ela precisa para se despedir:

- Sua vida tiro eu! - ela diz e com o último tiro dado à queima roupa no coração o entrega ao infinito.

Vendo os dois pateticamente mortos ela respira aliviada, como nunca em dois anos. Pôde ainda perceber que as manchas de sangue acrescentaram uma linda tonalidade violeta, como um tye-dye à seda pura azul celeste da saia de seu vestido longo – tentarei cristalizá-las – pensou. E ao guardar o 38 (de verdade) na bolsa (cara) viu no fundo as chaves do carro e parou pra refletir um segundo em sua vida. Ela viera do nada! E conquistara toda a sua estrutura de vida, não fosse aquele maldito se fazendo de nuvem e tapando-lhe o sol, ela teria enxergado, antes, tudo o que ela era e tudo o que representava pra si mesma, tudo o que conquistara, amigos, estrutura, confiança, momentos maravilhosos que vivera.
E viverá!
Sua certeza era tanta de seu sucesso agora, que seu desejo se convertera nele estar vivo ainda, vivo para vê-la por cima, se diminuir e se arrepender num futuro muito próximo, pensando um pouco mais, ela percebeu que no fundo seu verdadeiro desejo era, na verdade, que ele estivesse vivo para ela provar pra si mesma, tal será seu sucesso, como não estará se importando nem um pouco com ele no futuro, ainda que ele se arrependesse ou não!
Neste momento, o polonês contornou com a mão gigante a fina cintura dela e soltou um suave:

- Vamos amor, temos uma longa vida de realizações pela frente!

Ela deu um passo em direção à saída, quando o telefone que estava em sua mão tocou e a trouxe de volta! Num surto, e ainda transpirando por conta do telefonema que fizera há segundos atrás, ela percebe-se realizada e satisfeita ao ver o quanto a sua imaginação fora longe (o telefone continua tocando), sente-se tranqüila agora, mas não pela sua consciência estar livre por não ter matado ninguém ou por não ter feito ninguém sofrer, mas sim por ela saber-se tão bem agora (o telefone continua) que terá tempo e segurança de sobra para transformar aquele inodoro e incolor numa mancha cinza do passado.
Ela atende ao telefone ainda em tempo e do outro lado escuta de um dos "doze" um sonhador bom dia, bom dia esse que ela retribui sem dúvidas com muito mais que um "obrigado, igualmente", enquanto pinta os lábios de vermelho.

FIM

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

NOITES EM CLARO
- segundo capítulo

Ela aponta para o ex e não se atreve a chamá-lo pelo nome. Ele vira, silêncio perpétuo.
- Ajoelhe-se e diga que me ama!!!

Ele assim o fez, com as mãos pra cima.
- Agora diga a ela que a ama!!! – referindo-se a atual.
Ele assim o fez.
- Agora ajoelhem-se de frente um pro outro e digam que se... (quase chora) amam!!!
O fizeram.
- Agora... (se cala, treme, enxuga as lágrimas sem borrar a maquiagem) agora amem-se!!!

Eles não compreenderam, assim como ninguém naquele salão. Um burburinho enche o recinto de um barulho irritante para quem está irritado. Um tiro no teto. Silêncio.

- Meu amor – ele diz ajoelhado e ainda assustado com o tiro – tente se acalmar, você bebeu um pouco demais, olhe as pessoas ao seu redor.

De fato, na festa predominavam senhoras e senhores de idade, crianças e casais felizes, todos com seus cargos sociais devidamente bem ocupad... de repente um tiro enfeita a mesa do bolo e a cara chorosa da aniversariante atrás da mesa com sangue e miolos, a “linda e como sempre insuportavelmente simpática” estava agora sem batimentos cardíacos e morta no chão ao lado dele. Ele, estático.

- Agora ame-a!!!

Ele num choro ensimesmado não responde, ou não ouve.

- A-ME-A!!! – ela engatilha a próxima bala em meio aos soluços e prossegue – E antes que me pergunte, nunca mais passarei uma noite sequer acordada imaginando o que fazem e como fazem, agora verei, e confesso que me parecerá bem nojento. Nunca mais sentirei frios na barriga por conta do infinito, desgraçado, maldito desejo que sentem um pelo outro.

Silêncio perpétuo ainda. Ele, aos prantos, começa a baixar suas calças e subir a saia do cadáver enquanto a coloca em “posição de parto”, deita sobre ela, mas mantém tronco afastado, como quem tenta se segurar longe do chão numa flexão - não tem coragem de olhá-la no rosto desmiolado e ensangüentado.
Vendo a cara dele de infinito nojo, ela quase pensa em baixar a arma, o espírito dela fora inundado por uma sensação que a quilômetros de distância lembraria a sombra do que se pode chamar de – talvez – piedade, vendo agora que ele não mais gosta dela como antes, que agora sente nojo. Era quase o bastante pra ela, e seus braços com a arma em punho, aos poucos cediam à força da gravidade, quando o corpo dele também cedeu, seus músculos estavam fartos de fingir foder aquele cadáver e deitou-se sobre o corpo. A gravidade para ela perde a força e lá está a mira no alvo novamente, quando num gesto de carinho jamais visto por ela, ele beija a boca ensangüentada do cadáver, e balbucia, ainda aos prantos:


- Te amo!

Antes mesmo de conseguir dominar seus impulsos ela está ao lado do casal com a mira no rapaz.


CONTINUA...

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

NOITES EM CLARO
- primeiro capítulo

“Alô, só pra te desejar um bom dia”.
Esta frase era o que permeava na cabeça dela momentos antes de usar o celular, que naquele momento repousava em sua mão direita, a espera. A adrenalina que fazia seu sangue parecer lava a deixava trêmula e excitada, excitação que em questão de segundos tornara-se ódio, quando da resposta dele: “obrigado, igualmente” – cinza assim.
Imediatamente ela abre sua arma secreta, a mais poderosa, que infalivelmente entre todas aquelas folhas cheias de nomes, números e letras na seqüência do alfabeto, a fariam recordar de um bom recurso, afinal, nesses dois anos desde o divórcio, sua teia não dera trégua. E os troféus que ela atraíra são diversos, inúmeros. Dentre os quais:
- O executivo: o do Chrysler, de Bariloche, do Terraço Itália, dos vinhos italianos, dos diamantes – que mora infinitamente longe;
- O bicho-grilo: o das trilhas, do olho de safira, da lua, do banho nu na mata, do sexo selvagem, do esoterismo, das viagens surpresa – que transpira maconha;
- O treinador: o bombado, esculpido, queixo quadrado, educado, cheiroso, baladeiro, engraçado – broxa.
E assim a lista se estende a doze, doze que são melhores, excluindo o resto. E analisando bem, ela encontra o perfeito:
- O importado: o polonês, 1,98m, simpático, português com sotaque, faz projetos sociais no Brasil, lava, cozinha (e como cozinha), passa – cavalheiro demais.
É este!
E é com esta arma em punho que decide ir ao aniversário da afilhada, qual o padrinho é o ex e, portanto, estaria lá. Mas para a surpresa dela, ele, o ex, o do “obrigado, igualmente”, apareceu com ela, ainda, ainda juntos, ela linda e como sempre insuportavelmente simpática, e eles como sempre insuportavelmente felizes (ao que parecia).
Terminado os parabéns, momento auge de uma festa de crianças, ela cuidadosamente abre a bolsa (cara) e saca um 38 (de verdade), sabia que viria a calhar um dia.

- Ei!!!
Aponta para o ex e não se atreve a chamá-lo pelo nome. Ele vira, silêncio perpétuo.
- Ajoelhe-se e diga que me ama!!!
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CONTINUA...

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Coloque a música antes de ler o post!
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Thelma e Louisse havia acabado há quinze minutos.
Eu estava sozinho no quarto prestando atenção em como a fumaça do meu cigarro dançava impecávelmente ao som de "Everybody's Gotta Learn Sometimes"*.
Era 3h33 da manhã.
Eu estava mudo.
No meu coração um mix de angústia, sonhos e espectativas me faziam perder o sono.
Tanto pra resolver.
Estou para a vida um bailarino, assim como a fumaça para a música. Mas no meu caso, diferente da fumaça, dói quando o passo perde o compasso, quando o ritmo perde o tino, como Chico dizia:

"Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá"

Essa vida cheia de nuances e equívocos me fortalecem bem! Mas é fato que não ter seu destino nas mãos dói, e dói.

Mas me pergunto que tipo de pessoa eu seria se tivesse vivido uma vida regrada e matemática até aqui? É certo que as partes mais legais de se lembrar e contar de uma viagem são seus equívocos e surpresas e eis minha vida, madrugada a madrugada...

Caso queiram saber a quantas anda a minha vida, basta que acendam um cigarro, deixem a fumaça dançar ao longo da madrugada ao som desta música, acompanhada pelo derradeiro gole de um merlot que pinta de vermelho o fundo de uma taça, gole esse que por sinal tomarei agora, antes de dormir - sem escovar os dentes.



*Everybody's Gotta Learn Sometimes:
música tema do filme O Brilho Eterno
de Uma Mente sem Lembrança

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008


idealização: Murillo Marques
execução e direção de fotografia: Hugo Henrique
direção artística: Marcela Primo
rsrsrsrsrsrsrsrsrsrs

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

"Não.
Não é possível
criar um poema
nesse escritório.
O grampeador é feio
a mesa é velha
os armários, cheios.
Na minha cabeça
há umas idéias
soltas e meu olhar
num esforço hercúleo
poderia até ver beleza
sob o encardido
das persianas.
Mas, por tédio
e cansaço e
falta de vontade
a tarde escoa
como papel A4
quando o fax dá pau:
até esgotar-se
e sem poesia."
-
(sei que somos mais)

autor desconhecido
-
enviado pra mim por Elton

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

DOA A QUEM DOER

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

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"Um lugar não definido, é o lugar de todas as sensações, onde não há nada a perder, é sair de dentro da caverna de platão!!!"
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Murillo Marques
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sábado, 2 de fevereiro de 2008

rosa, borboleta, noite, oceano

Esta rosa nunca mais foi regada - pensava - mas ainda cheira.
Já beirava as 5h da manhã, ele estava semi nu, a barba por fazer tocava a fronha que tocava o travesseiro que tocava o lençol que cobria a king-size que abrigava outras duas pessoas também semi nuas. O sono já havia carregado para longe uma delas, ele por sua vez, era acariciado infinitamente, incansávelmente e se perguntava de costas para as carícias de frente para a noite paulistana do outro lado da janela: "como pode não se cansar de movimentar-se desta forma?"
Uma estrela, somente, brilhava sob o céu de Perdizes ou Alto da Lapa ou Sumaré, que seja, acompanhada pelo pisca de uma torre solitária - "São Paulo, mágica São Paulo, mágica e perfumada noite paulistana". O cheiro de São Paulo à noite lembra a ele, sabe-se lá por que cargas d'água encontros, cigarros, gente nova e aquela respiração ofegante que se tem antes de transar pela primeira vez com alguém. Por isso andou trocando a noite pelo dia; paixão louca pela noite, pelas paixões da noite.

Ainda que aquela rosa cálida no criado cause incômodo ao cheirar tanto, ele não mais se atreverá a movimentá-la, pois sob três derradeiras pétalas secas, hoje bordôs portanto e não mais vermelhas como outrora, há um caule repleto de espinhos e espinhos e espinhos. "Não mais tocá-la", ordenou a si mesmo ao ferir-se pela última vez, "não mais tocá-la". E ainda que aquele odor incomode, ainda que remeta a passeios em casal com o cãozinho na beira da praia, resta-lhe aquele perfume, aquele perfume urbano e noturno que o faz pensar no mundo lá fora, que tem sido tão receptivo, nos vinhos e queijos e afins.
A fronha com insetos forçou-o a se lembrar da crisálida que vira no Trianon na mesma semana, "quando sairá, será?"
E o estado de hipnagogia que agora dominava sua mente, fez emergir das lembranças aquele oceano fresco, cheio de mistérios que pede um mergulho profundo, oceano esse que já o fez despir-se, "não mais mergulhar com armaduras" - prometeu, e quase mergulhar.
E lá estava ele acariciando seus desejos com detalhes do mergulho, quando aquelas implacáveis/incansáveis carícias dominaram seus sentidos, entregando-o aos braços do inconsciente enquanto as últimas pétalas da rosa, sem vida, sem mágica, em seu último suspiro, tocavam o frio e real chão de mármore acinzentado.

na foto:

vista panorâmica do banco Santander

(antigo Banespa) do Vale do Anhangabaú