"Debaixo d'água tudo era mais bonito, mais azul, mais colorido, só faltava respirar.
Mas tinha que respirar, mas tinha que respirar... todo dia"

Arnaldo Antunes

sábado, 2 de fevereiro de 2008

rosa, borboleta, noite, oceano

Esta rosa nunca mais foi regada - pensava - mas ainda cheira.
Já beirava as 5h da manhã, ele estava semi nu, a barba por fazer tocava a fronha que tocava o travesseiro que tocava o lençol que cobria a king-size que abrigava outras duas pessoas também semi nuas. O sono já havia carregado para longe uma delas, ele por sua vez, era acariciado infinitamente, incansávelmente e se perguntava de costas para as carícias de frente para a noite paulistana do outro lado da janela: "como pode não se cansar de movimentar-se desta forma?"
Uma estrela, somente, brilhava sob o céu de Perdizes ou Alto da Lapa ou Sumaré, que seja, acompanhada pelo pisca de uma torre solitária - "São Paulo, mágica São Paulo, mágica e perfumada noite paulistana". O cheiro de São Paulo à noite lembra a ele, sabe-se lá por que cargas d'água encontros, cigarros, gente nova e aquela respiração ofegante que se tem antes de transar pela primeira vez com alguém. Por isso andou trocando a noite pelo dia; paixão louca pela noite, pelas paixões da noite.

Ainda que aquela rosa cálida no criado cause incômodo ao cheirar tanto, ele não mais se atreverá a movimentá-la, pois sob três derradeiras pétalas secas, hoje bordôs portanto e não mais vermelhas como outrora, há um caule repleto de espinhos e espinhos e espinhos. "Não mais tocá-la", ordenou a si mesmo ao ferir-se pela última vez, "não mais tocá-la". E ainda que aquele odor incomode, ainda que remeta a passeios em casal com o cãozinho na beira da praia, resta-lhe aquele perfume, aquele perfume urbano e noturno que o faz pensar no mundo lá fora, que tem sido tão receptivo, nos vinhos e queijos e afins.
A fronha com insetos forçou-o a se lembrar da crisálida que vira no Trianon na mesma semana, "quando sairá, será?"
E o estado de hipnagogia que agora dominava sua mente, fez emergir das lembranças aquele oceano fresco, cheio de mistérios que pede um mergulho profundo, oceano esse que já o fez despir-se, "não mais mergulhar com armaduras" - prometeu, e quase mergulhar.
E lá estava ele acariciando seus desejos com detalhes do mergulho, quando aquelas implacáveis/incansáveis carícias dominaram seus sentidos, entregando-o aos braços do inconsciente enquanto as últimas pétalas da rosa, sem vida, sem mágica, em seu último suspiro, tocavam o frio e real chão de mármore acinzentado.

na foto:

vista panorâmica do banco Santander

(antigo Banespa) do Vale do Anhangabaú

2 comentários:

UMA BANDOLEIRA disse...

morrendo de saudades, o clip demasiadamente glamorouuuuso!

felipemaia disse...

Nostálgico!
(...)
Menino, ovulei com esse texto!!

:D